sábado, 1 de março de 2008

Chile e o Pacífico Oceano

.
Atrasados, vamos que vamos.

Bem-vindo à REALidade, ou melhor a DOLARidade. O Chile é tao ou mais caro que o Brasil.

San Pedro de Atacama é uma cidadezinha puramente turistica. Na alta temporada, dormem por dia 3000 pessoas em San Pedro, 1500 habitantes e 1500 turistas. E coisas pra se fazer e ver em San Pedro nao faltam. Para quem ja vem da Bolivia até parece repeticao, mas os chilenos tambem tem o direito de explorar turisticamente as belezas naturais da regiao, e fazem isso muitissimo bem.

A pitoresca San Pedro de Atacama

San Pedro é puro hostal, hotel, albergue e restaurante. Por todos os lados. Sao rusticos, mas nao aquele rustico pobre, mas o rustico "estiloso". De muita qualidade. Os precos, claro, salgadissimos, nao so porque o Chile é caro, mas porque la é uma cidade turistica. Na rua principal nao se ve morador, so turista europeu.

Escolhi o hostal mais barato de todos, o da bandeira do Hostelling Internacional, a 6000 pesos chilenos. O peso esta 450 para cada dolar, o que da uns 13 dolares. O "quarto" era de 2 por 3 metros onde nao sei como colocaram dois beliches, um deles com tres camas ainda. Conheci la o Augusto (Barcelona, mas nao curtia futebol) e o Alvaro, do Chile mesmo. O Alvaro disse que no Chile se fala o pior espanhol da América do Sul. Sai na rua pra conferir. E é verdade. Na Bolivia entendi tudo perfeitamente, no Chile nao se entende nada. Eles nao terminam o final das palavras.

Bueno. Escolhi, dos trocentas opcoes tres passeios. O primeiro, pra quinta-feira, dia 21 mesmo. O passeio mais comum. Um tour pelo Valle de la Luna e o Valle de La Muerte. Lá do Vale da Lua se tem uma visao incrivel da Cordilheira dos Andes e de toda a regiao. A paisagem é árida e cortada frequentemente por ventos muito fortes, desenhando nas encostas formas estranhas. Depois fizemos uma caminhada pelo interior do Canyon, onde ha muito tempo atras passava um córrego. Dá pra ver as marcas da água nos tempos remotos.

Baks na paisagem lunática do Vale da Lua. To em casa

Saindo dali fomos ao Vale da Morte. O Vale tem esse nome, dizem porque um explorador teria dito que o lugar se parecia com o planeta Marte, pois a paisagem é marciana mesmo. O povo teria entendido "morte". Entao o nome pegou. A verdade é que no Vale da Morte nenhuma espécie viva, vive. O lugar é completamente morto. Ficamos nas dunas ate o por-do-sol. Na volta, em vez de voltar como todo mundo pelo lugar comum, resolvi voltar pelas dunas.

O Vale de la Muerte

Voltamos para San Pedro. Jantei num restaurante muito bom. Eles parecem pequenos de fora, mas quando se entra sao enormes. Todos muito bons. Torcia para que fizesse uma lua muito brilhante, pois a segunda aventura dependia disso: sandboard à noite nas dunas de San Pedro de Atacama.

Que coisa mais legal. Descer as dunas imensas em uma prancha. A velocidade que se pega é incrível. Claro, o guia deu os macetes para travar, essas coisas. Nas duas primeiras vezes fui bem despacio, tentando mais me equilibrar e ficar em pé do que aproveitar mesmo. Na terceira já me sentia "o" sandboardista. Peguei velocidade e no final ainda tentei manobras, olha só. Fui dar um pulinho e rolei duna abaixo. Ainda bem que tava no finalzinho, senao o tombo teria consequencias piores. Suerte que nada se passou.

As dunas para sandboard

No outro dia, ja no sabado, acordei um pouco tarde e perdi a saída do terceiro passeio, pelos pueblitos e as pukaras. Esse passeio seria ja pendendo para o lado etno-arqueológico. Nessa viagem, estou fazendo de tudo um pouco: aventura, arqueologia, cultura e fiesta. Há muitas outras coisas pra se fazer em San Pedro, como por exemplo os passeios pelas Lagunas Altiplanicas e os Geiseres del Tatio, mas como ja tinha visto as lagunas e geiseres do lado boliviano deixei para outra hora esses passeios. Peguei o onibus mais cedo para Calama. A cidade grande mais proxima de San Pedro, a uma hora e meia de viagem.

A igrejinha de San Pedro
.
Na viagem, se passa pelo meio do deserto de Atacama, o deserto mais seco do mundo. A estrada em perfeitas condicoes. Paisagem incrivel. Cheguei em Calama era 14h. Fui logo conhecer a cidade. Estava acontecendo la uma mais ou menos Expointer deles. Fui ver. No Parque El Loa. Aproveitei para conhecer o interessantissimo Museu de Calama. Lá se conta um pouco da Guerra do Pacífico contra o Peru e a Bolívia. Antes, Calama era boliviana.

A igrejinha de Calama

Em Calama já se nota as diferencas entre Bolivia e Chile. Primeiro na populacao, ja bem mais branca, europeia. Na Bolivia, 90% da populacao é de origem aimará. Outra coisa, é que depois de muito tempo vi carros particulares. Na Bolivia, 60% dos carros sao taxi, 35% sao vans para transporte coletivo. O restante, 5% (e olhe lá, to sendo generoso!) sao carros particulares. O problema é que acabei esperando 5 min por um taxi, contra os 5 seg que se espera na Bolivia. Na Bolivia tambem, existe um ponto de internet a cada 50m. Isso porque é mais dificil da populacao adquirir carros ou ter internet em casa por exemplo. É o sonho de todo turista. Internet e taxi a todo momento.

Pinturas rupestres no interessantíssimo Museu de Calama.

Comprei passagem para Arica para sexta à noite. Fui comprar um sorvete antes. Duas bolas a quase 3 reais. É o Chile. Cheguei em Arica no sabado lá pelas 4 da manha. Fui direto para o Hostelling Internacional de Arica, diária a 6000 pesos. O Hostel de Arica é muito legal. O mais interessante e engracado que ja passei. Nas paredes o pessoal deixa recados. Tinha gente de todo o mundo la. O clima é de total descontracao.

Cartaz convidativo com os precos do hostel de Arica

Acordei no outro dia e fui resolver um problema que estava me incomodando ja alguns dias. Fui no dentista e arranquei um dente. O sizo. Depois de uma alergia no Paraguay e uns pontos na Bolívia, agora um dente no Chile. Sai urucubaca. Tirei o dente e fui visitar Arica, meio mal.

O Pacífico

Arica é uma cidadezinha de 20 mil habitantes, banhada pelo Oceano Pacífico. É muito bonita. Bom tambem para respirar ar ao nível do mar depois de tantos dias de altitude. Fui conhecer as praias da regiao. Subi no Morro de Arica para ter uma visao geral do Pacífico e da cidade.

Nao adianta. Nao podem ter um morrinho que ja colocam um Jesus la em cima

O morro de Arica, visto de baixo

Tremula a enorme bandeira chilena no Morro de Arica. O local foi palco de uma batalha na Guerra do Pacífico. Os peruanos estavam entricheirados no morro, mas nao resistiram às forcas chilenas.

Depois fui visitar o Museu Etnológico de Arica, que conta com a múmia mais antiga encontrada em todo o mundo. No caminho se ve a plantacao de muitas oliveiras. A base da economia de Arica é a producao de azeite de oliva, implantada a muitos anos pelos espanhois.

Baks la de cima do morro. Abaixo o porto e a orla de Arica

Arica é bonita, agradável e de clima muito bom. Só há um problema: os morros pelados. No entorno da cidade existem muitos morros, todos bem pequenos. O problema é que esses morros nao tem vegetacao nem pedras. É terra mesmo, o que faz com que voce, no final da tarde, acumule um pequena camada de poeira pelo corpo, em funcao dos ventos. Fui dormir cedo, la pelas 20h, com dores no dente, ou melhor, no lugar onde estava o dente, cuspindo sangue. Além disso, tinha tomado um suco de pepino la em Calama que acredito, teve um resultado laxante. Uma pena, pois a galera do hostel me contou no outro dia que fizeram uma churrascada e foram todos pra balada depois. Que merda. Eu que ja tava louco por uma festa e ja tava curado do acidente na Bolivia. Paciencia, Arequipa, no proximo sabado, nao me escapa.

Sabedoria chilena

No domingo, peguei um taxi e fui para a rodoviaria de Arica pegar um onibus para Tacna, ja no Peru. Nao existem onibus para Tacna. Tem que pegar um coletivo, ou seja, um carro, que quando lota sai em direcao à Tacna, distante 60km de Arica, por 3000 pesos. Barato. Antes, passamos pelos tramites burrocráticos de fronteira. Beleza, pensei, saio de Arica às 11h, chego em Tacna às 12h e pego o busao para Arequipa que sai as 12h30min.

Que nada, o Chile tem uma hora de diferenca para o Peru, alem de estar no horario de verao. Resultado, sai de Arica às 11h e cheguei em Tacna, uma hora depois, às 10h. Esperei duas horas pelo onibus. A moeda muda de novo, agora sao soles. Um dolar equivale a 2.90 soles. Peguei o onibus da Cruz del Sur, por 35 soles. Onibus de primeira, inclusive com comisaria e servico de bordo e ate um bingo durante a viagem.

Cheguei em Arequipa à noite sem nenhum tostao furado no bolso. Nao consegui sacar, sei la porque. Peguei um taxi fiado e fui para um hotel em que se aceitava cartao de crédito. Parei no Marcones del Moral, por 60 soles, 20 dolares, bem caro. Mas era o que aceitava cartao, e eles pagaram o taxi para mim.

Na segunda, fui dar uma banda por Arequipa, comprar uns passeios e minha passagem para Puno, onde iria durante a noite. Conto sobre Puno no próximo post. Falou.

Os Incas

Parte 1: As Invasoes Bárbaras

Capítulo 3: A sociedade incaica

A sociedade incaica, embora expansionista e guerreira, se baseava na terra. O Estado era dono de tudo. A populacao camponesa tinha o direito de trabalhar na terra, obedecendo um sistema chamado mita, que fornecia mao-de-obra e parte da producao ao Estado. Essa producao servia para alimentar o nobres, o Inka e sua familia, alem dos militares e pessoas com outros oficios como artesaos, ourives, oleiros, etc. Todos recebiam terras para cultivar e quem nao aproveitasse era punido. Os incas seguiam os mandamentos dos tihuanacotas: 1-Nao roubar. 2-Nao mentir.3-Nao ser preguicoso.

Embora toda a terra pertencesse ao Estado é um engano pensar a civilizao incaica como "socialista". Havia uma rígida hierarquia de classes e a sociedade interferia em tudo na vida do individio, do trabalho ao casamento. Os historiadores acreditam que a sociedade incaica seja mais parecida com a japonesa medieval e a espartana, aristocrática e guerreira.

No primeiro plano, o Inka, senhor de tudo e de todos, com poderes de vida e morte sobre todos, chefe supremo do Estado, seguido por uma aristocracia formada por sacerdotes e nobreza - altos funcionários e militares. A nobreza se dividia em nobres de sangue e de privilégio. Os de privilégio, abaixo dos de sangue, eram chefes tribos submetidas ou aqueles recompensados pelo Inka, seja por feitos militares ou descobertas tecnológicas. Nobres podiam ter várias mulheres, mais gado e mais terras, mas eram severamente punidos por qualquer falta, pois supunha-se que, na condicao de membros da elite, deveriam dar o exemplo de conduta impecável. Seus filhos estudavam na Casa do Conhecimento (Yachauyhuasi) e recebiam educacao em artes militares, astronomia, leis, religiao, esportes e moral. Como nao desenvolveram a escrita, tudo era repetido exaustivamente ate ser decorado.

Havia uma casta de sábios, chamados amautas, responsavel por manter a historia e o saber do Império, que foram exterminados pelos espanhois, fazendo com que muitos conhecimentos se perdessem. O clero, numeroso e hierarquizado, era chefiado pelo Sacerdote Supremo, parente do Inka.

Na base estava o povao, obrigatoriamente monogamico e que nao recebiam educacao formal. Ja que estavam destinados ao trabalho bracal, nao precisavam de muita sabedoria. Os homens, cultivavam a terra e as mulheres teciam roupas e cozinhavam.

Os incas nao desenvolveram a escrita porem possuiam um linguagem codificada em quipús, cordoezinhos coloridos de diferentes grossuras, com nós. Esses cordoes informavam datas, quantidades, dados economicos, historicos e demográficos. Um sistema de mensageiros, os chasquis, se revezavam na trasmissao de noticias entre os distantes pontos do Império e mantinha o Inka informado do que se passava em cada provincia. O mensageiro decorava mensagens curtas e devia repetir com exatidao ao proximo chasqui. Os postos se situavam em pontos estratégicos e poderiam se comunicar em sinais de fumaca ou luminosos em caso de alguma rebeliao. Assim, em poucas horas, a noticia chegava a Cuzco.

O império, centralizador e autoritário, guerreiro e agrícola, tinha base em comunidades chamadas ayllus. Os ayllus das terras altas cultivavam batatas, os do litoral, sal e pescado. Nos vales, criavam lhamas e alpacas. Cada ayllu tinha seu chefe, um prefeito que cuidava dos assuntos admnistrativos, recolhia os impostos e prestava contas ao Tucuy Ricoc, representante do Inka. Todos eram extremamente fieis ao Imperio e tinham interesse em manter a ordem, pois se alguem agisse errado, as vezes, todo ayllu era punido. Cada ayllu tinha tres tipos de trabalho: o ayni, para subsistencia, propria e da comunidade; a minca, trabalho nas terras do Inka, realizado anualmente; e a mita, prestacao de servicos para construcao de obras publicas. Tambem tinham que fornecer soldados ao Exército. Completado o tempo de servico poderiam voltar para casa. Visando fortalecer os lacos da comunidade, duas vezes por mes faziam refeicoes comunitarias com a presenca de todos.

A lei e moral era prerrogativa do Inka. A forte punicao do Estado desencoraja os delitos, que eram poucos. Nao havia prostituicao e sequer uma palavra para designar. A lei emanava do Inka e era divulgada pelos amautas para que ninguem alegasse sua ignorancia. As punicoes para os crimes graves, como assassinato ou estupro eram invariavelmente a morte, de forma cruel. Quando nao condenado a morte, o sentenciado era encerrado em um compartimento subterraneo com insetos e cobras venenosas, pumas ou condores, com poucas possibilidades de sobrevivencia. Se em dois dias ainda estivesse vivo, o Inka o perdoaria.

Nenhum comentário: